Pão com margarina e uma xícara de café preto. Era o que tinha. Maldita mania de insistir num sonho idiota de ser escritor. Salivava imaginando um bife extremamente mal passado com dois ovos fritos com as gemas quase cruas. Não tinha esse prazer há tempo perdido, não por falta de condição, mas por falta de foco. Estava mais preocupado com as letras.
O all star rasgado dava um ar meio cool, meio descolado. Para uns desleixo, para outros falta de dinheiro mesmo. Dizia para as pessoas que tinha uma relação doentia e possessiva com seus calçados. Só usava uma marca. Comprava novo e usava até desmanchar, sem jamais lavá-lo. Criatividade de escritor que pegava excêntrico nas rodas sociais e criava um problema a menos na carteira e no armário.
Sua companhia bastava para ele. Sentia-se à vontade com a sombra mas reclamava da luta quixotesca. Vitimista reclamava que até Sancho Pança o havia abandonado. Cansou e foi viver a própria biografia como contínuo num escritório de contabilidade.
Máquina de escrever sobre a mesa, papel branco esperando para ser pintado de letras e nada. Sonhava em ser escritor mas há muito tempo não tinha inspiração ou sua história tinha acabado.
Olhou uma resma de contos empilhados um a um. Único boneco do livro que lhe consumia a vida até aquele momento. Acendeu um cigarro que ele mesmo havia enrolado, tragou fundo e pensou no meio da fumaça. Tinha certeza que acordaria de ressaca na manhã seguinte.
Levantou-se, pegou a pilha de papel e posicionou perfeitamente no centro da lata de lixo. Álcool e um fósforo. Rápido e quase indolor. O melhor recomeço para qualquer livro mal acabado. Suicidou a carreira, trancou a porta pelo lado de fora, e foi escrever outra história.